70% dos mais pobres do mundo são africanos

Segundo os números da World Data Lab, uma empresa de estatísticas que trabalha com a UNICEF, em Março o número de pessoas que saíram da pobreza extrema suplantou o número das que caíram nesta situação. Esta realidade não se aplica, infelizmente, a Angola.

O número de africanos que conseguiram sair da pobreza extrema ultrapassou em Março, pela primeira vez desde que foram definidos os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o número de pessoas que entraram nesta situação.

De acordo com o World Data Lab, na compilação de dados e projecção de tendências demográficas, em Março deste ano o número de pessoas que saíram da situação de pobreza extrema por dia suplantou em 367 o número de pessoas que caíram nesta situação.

“O ritmo desta redução líquida da pobreza ainda é, hoje em dia, muito pequeno, apenas 367 pessoas por dia, mas no final deste ano a taxa pode aumentar para mais de três mil pessoas por dia, resultando numa redução de um milhão de pessoas que estão em situação de pobreza extrema em 2020”, lê-se num artigo publicado pelo norte-americano Brookings Institute e assinado por três peritos da World Data Lab: Kristofer Hamel, Baldwin Tong e Martin Hofer.

“África é a última fronteira do mundo na luta contra a pobreza extrema; hoje, um em cada três africanos – 422 milhões de pessoas – vive abaixo da linha de pobreza e os africanos representam mais de 70% das pessoas mais pobres do mundo”, acrescenta-se no artigo.

Se esta tendência continuar, em 2030 África vai ter conseguido reduzir o número de pessoas extremamente pobres em 45 milhões e a pobreza relativa vai cair dos 33,5%, hoje, para 24%, lê-se no texto, que dá conta de que, ainda assim, o continente não vai conseguir atingir os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, erradicando a pobreza até 2030.

Hoje em dia, há aproximadamente 377 milhões de africanos que ainda vivem com menos de 1,90 dólares por dia, lê-se no artigo, com o título “Pobreza em África está agora a cair – mas ainda não suficientemente depressa”.

“Angola está a passar por um curto período em que a pobreza está a aumentar; isto começou em Setembro de 2017, mas as previsões do World Data Lab antecipam que em 2021 a pobreza extrema vai cair novamente e em 2030 a pobreza extrema estará nos 3,5%, o que significa que se esta tendência puder ser revertida mais cedo, então o país terá uma hipótese maior de cumprir os ODS 1”, conclui o artigo.

Nós por cá continuamos… lixados

Angola é, por exemplo, dos Estados lusófonos o país com pior cobertura de serviços básicos de Saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Banco Mundial (BM). Será possível? Independente desde 1975, tendo no governo sempre o mesmo partido (o MPLA), estando há 17 anos em paz toral, sendo um país rico… algo vai mal (muito mal) no reino.

Será então caso para dar os parabéns a este partido, nomeadamente a José Eduardo dos Santos, mas sem esquecer o presidente João Lourenço, que apesar de “só” ter chegado ao cargo em Setembro de 2017 fez durante anos, muitos anos, parte da estrutura dirigente do MPLA, sendo por isso conivente no desastre deste país. País que, aliás, é líder noutros “rankings”, casos da corrupção e da mortalidade infantil.

Nos serviços básicos, o país do MPLA tem uma taxa de cobertura de apenas 36%. De entre as nações lusófonas, seguem-se a Guiné-Bissau, com 39%, Moçambique (42%), Timor-Leste (47%), São Tomé e Príncipe (54%), Cabo Verde (62%) e Brasil (77%). Portugal é o país lusófono com melhor resultado, tendo mais de 80% da sua população coberta.

Segundo um relatório intitulado “Tracking Universal Health Coverage: 2017 Global Monitoring Report`”, pelo menos metade da população mundial não tinha acesso a cuidados essenciais de Saúde. Pois é, justifica o MPLA. Em muitos países que enfermam do mesmo mal os governos não são do MPLA. Tem razão. Mas, reconheçamos, é um triste consolo.

O relatório, que avalia indicadores na área da Saúde em mais de 120 países, refere que mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo, o correspondente a 12% da população mundial, gastam menos de 10% do seu orçamento familiar em cuidados de Saúde.

Apesar de se ter registado um progresso de 3% no cumprimento da meta de acesso a cuidados de Saúde, os dados do relatório indicam que pelo menos 180 milhões de pessoas gastam um quarto do seu orçamento nesta área e que este grupo está a crescer a um ritmo de 5% ao ano.

O director de Saúde e Nutrição do Banco Mundial, Timothy G. Evans, assinalou que o crescimento se deve ao facto de “os governos não conferirem prioridade à saúde pública e de as pessoas terem cada vez mais altas expectativas de como deve estar a sua saúde”, levando-as a pagar “porque não obtêm uma cobertura pública suficiente”.

A directora-geral adjunta do departamento de Cobertura Sanitária Universal da OMS, Naoko Yamamoto, realçou na altura o surgimento de entidades privadas de assistência médica para suprir as necessidades que “deveriam ser cobertas pelos serviços públicos”.

O relatório apontava a América Latina como a região no mundo que apresentava a menor percentagem de pessoas que gastam pelo menos 10% do orçamento familiar em assistência na área da Saúde, registo que representa 14,8% da população mundial, cerca de 88 milhões de pessoas.

Quase 100 milhões de pessoas caem na extrema pobreza (viver com menos de 1,7 euros por dia), porque têm de pagar pelos cuidados de Saúde, e outros 122 milhões caem abaixo da linha da pobreza (2,5 euros diários) por causa dos gastos na Saúde.

Ainda sobre o que as famílias despendem com a Saúde, 6,3 milhões de pessoas caíram na pobreza nos países de fracos recursos, muito embora a percentagem revele uma descida nos últimos anos.

Nos países pobres, apenas 17% das mães e filhos recebem assistência médica básica, enquanto a percentagem aumenta para 74% nas nações ricas.

O documento da OMS e do BM destacava que mil milhões de pessoas não recebem tratamento para a hipertensão, mais de 200 milhões de mulheres não têm acesso ao planeamento familiar e cerca de 200 milhões de crianças não recebem todas as vacinas de que necessitariam.

Num outro relatório do Programa Conjunto de Monitorização das Nações Unidas, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), são analisadas as situações, até 2016, da água potável, saneamento e higiene em mais de 200 países e territórios.

O documento faz a comparação entre a evolução registada em cada um dos nove países lusófonos entre 2000 e 2015, tendo também em conta o respectivo aumento da população.

No quadro deste período, é referido também o aumento da população nas zonas urbanas, o acesso a água que dista mais de 30 minutos do local de residência, água não melhorada e água proveniente da superfície, como rios e lagos, entre outras fontes.

No acesso a água potável canalizada, Cabo Verde surge em terceiro lugar entre os lusófonos (subiu de 78% em 2000 para 86% em 2015), à frente de São Tomé e Príncipe (de 67% para 80% no mesmo período), Timor-Leste (não havia dados disponíveis em 2000, mas em 2015 tinha 70%), Guiné-Bissau (de 53% para 69%) e Moçambique (de 22% para 47%).

No mesmo período, Angola subiu de 38% para 41%, enquanto o Brasil passou dos 94% para 97% e Portugal de 99% para 100%.

O relatório sublinha que os dados são susceptíveis de alguma “relatividade”, tendo em conta o tamanho dos países, o total da população e o grau de desenvolvimento de casa um deles.

À excepção de Portugal (com 0% já em 2000) e Brasil (que baixou de 1% em 2000 para 0% em 2015), todos os restantes países lusófonos, em maior ou menor escala, ainda têm bolsas da população que só conseguem obter água (nem sempre potável) a mais de 30 minutos do local de residência.

Angola, com 16% da população nessas circunstâncias ao longo do mesmo período, e Guiné Equatorial, que também continua com 2%, são os dois Estados lusófonos que mantiveram os números estatísticos entre 2000 e 2015.

Diferentes dados estatísticos, mas para pior, foram, no mesmo período, registados em São Tomé e Príncipe (de 13% para 15% da população), Moçambique (subiu de 5% para 14% da população) e na Guiné-Bissau (de 4% para 5%).

Cabo Verde desceu, em 15 anos, de 11% para 10% da população nessas circunstâncias, enquanto Timor-Leste, de que não existem dados de 2000, conta com 6% do total dos habitantes com a necessidade de ir buscar água a mais de 30 minutos dos locais de residência.

O estudo dá ainda conta da relação entre os dados estatísticos e a evolução da população urbana no mesmo período (2000 a 2015) nos nove Estados lusófonos, sempre em crescendo, com o Brasil a “liderar” esta tabela, com os habitantes citadinos a subirem, em 15 anos, de 81% para 86%.

Cabo Verde é o segundo país lusófono com maior crescimento da população urbana (aumentou, no mesmo período, de 53% para 66%), seguido por São Tomé e Príncipe (de 53% para 65%), Portugal (de 56% para 63%), Guiné-Bissau (de 37% para 49%), Angola (de 32% para 44%), Guiné Equatorial (de 39% para 40%), Timor-Leste (de 24% para 33%) e Moçambique (de 29% para 32%).

Com cerca de 30 milhões de habitantes, Angola tem cerca de 20 milhões de pobres. O MPLA não conseguiu gerar riqueza, mas conseguiu gerar ricos. O clã monárquico do regime (José Eduardo dos Santos e João Lourenço), na versão mais alargada (acólitos e similares), é o que mais ricos tem por metro quadrado. Ao lado, o país é o que mais pobres tem, também por metro quadrado.

Folha 8 com Lusa

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